Nosso trem partiria às 8:15 de uma quinta-feira de verão, mas bem antes disso já nos preparávamos para a cênica viagem de trem que corta a belíssima Serra do Mar, uma faixa de Mata Atlântica ainda preservada do Paraná. Saímos de Joinville (SC) às 5:20 e chegamos à Rodoviária de Curitiba às 7:15. Bastaram alguns passos para alcançarmos a Ferroviária de Curitiba, anexa à rodoviária. O movimento ainda era tranquilo, ideal para que pudéssemos tirar uma foto da charmosa, porém pequena, estação de trens. Lá dentro, uma bilheteria, o escritório da Serra Verde Express (empresa responsável pela rota Curitiba-Morretes), uma cafeteria e duas lojinhas de souvenires.


Ainda com sono, câmera na mão, aproveitei para tirar algumas fotos antes do embarque. Pouco a pouco a estação se abarrotava de gente. Eram pessoas de todas as idades, de muitos cantos do Brasil e até do mundo (aliás, 20% dos passageiros são estrangeiros). Muitos com empresas de turismo (distinguiam-se por um adesivo da empresa colado na camisa), outros independentes e, nós, convidados. Grande parte apinhava-se na cafeteria (era cedo, ora bolas).

Às 8:10 o agito já era visível. Na estação não cabiam nem mais as moscas que iriam devorar os restos dos lanches. Todos esperavam ansiosamente para se acomodarem nos trens e desfrutarem da viagem de 3:30 por paisagens estonteantes, como das montanhas do Marumbi, da Cascata Véu da Noiva, do Viaduto do Carvalho e da Ponte São João. Sem mencionar os 14 túneis pelos quais o trem passa e as construções à beira dos trilhos que já abrigaram estações e ‘casas de turma’ (residências dos trabalhadores ferroviários), estampadas com um ‘RVPSC’ na fachada, indicando que eram administradas pela Rede de Viação Paraná-Santa Catarina, que operou entre 1942 e 1957.


Apesar da euforia, os portões só foram abertos às 8:30. Os alvoroçados passageiros logo se dirigiram a seus respectivos vagões e se instalaram em seus assentos. Alguns nos de plástico, reservados à Classe Econômica (a partir de R$95), e outros nos almofadados, presentes nas classes Turística (a partir de R$119) e Camarote/Imperial (a partir de R$235). Ao todo, o trem era composto por 21 vagões. O apito só foi dado às 8:45, com 30 minutos de atraso. Dávamos adeus a Curitiba.


Logo no início recebemos as orientações de nosso guia (exclusividade das classes Turística e Camarote/Imperial), que nos acompanharia durante a viagem e compartilharia histórias curiosíssimas sobre a ferrovia Paranaguá-Curitiba, a qual percorreríamos até Morretes (o trecho Morretes-Paranaguá é exclusivo dos trens de carga).

O começo da viagem é meio monótono. Os primeiros 40 minutos se dedicam a atravessar o subúrbio de Curitiba. Portanto, são bons para ajustar a câmera fotográfica e comer o lanche oferecido por eles (somente às classes Turística e Camarote/Imperial) e, claro, observar o dia-a-dia dos moradores da capital paranaense. Após esse período, o trecho se torna gradativamente mais bucólico. Saindo de Curitiba, já na cidade de Pinhais, fazendas repletas de araucárias (árvore que dá o ‘pinhão’, semente que os sulistas costumam comer no inverno) e cavalos inundam a paisagem.



Em Piraquara, cidade seguinte, o ar rural ainda toma conta da paisagem. Nela, destaque para o trecho de ‘Roça Nova’, onde um empresário transformou uma antiga estação em restaurante e um túnel abandonado em uma cave (local de maturação e armazenamento) para espumantes gaúchos (as visitas devem ser agendada pelo site http://www.cavecolinasdepedra.com.br). Ali, o trem atravessa o primeiro e mais extenso túnel da viagem, o Túnel Roça Nova. Além disso, esse é o ponto mais alto da ferrovia, a 955m de altitude. Dali em diante, só se desce em direção ao litoral paranaense. Logo após o túnel, uma das atrações mais intrigantes do passeio, a Chaminé. Ela é um remanescente de uma casa de bombas que foi inundada após a construção da barragem Piraquara I, na represa Cayguava, que abastece muitos moradores de Curitiba.

O trecho que se segue, pertencente ao município de Quatro Barras, é de muita mata fechada. É dessa cidade que partem as trilhas pelo Caminho do Itupava, que percorre muitas das atrações que vemos apenas da janelinha do trem, como a Estação e a Cachoeira Véu da Noiva, a Casa do Ipiranga e o Santuário do Cadeado (mais informações em http://caminhodoitupava.com.br).
Já adentrando Morretes (a área de mata, claro), pode-se observar o Véu da Noiva e o Conjunto de Montanhas Marumbi. Além disso, o trem passa por diversas pontes, com destaque para a Ponte São João, que oferece uma vista espetacular da Serra do Mar. Esse trecho é, sem dúvidas, o mais magnífico de todo o passeio.


Depois dos túneis, pontes, cachoeiras e estações abanadonadas o trem desce em direção ao município de Morretes, em cuja Estação Ferroviária chegamos ao meio-dia. Como nosso ônibus de volta para Curitiba sairia às 14:30, só tínhamos tempo para comer o famoso Barreado (calma, você já vai entender o que é isso) e desfrutar da pacata cidade, cujo motor da economia é o turismo.



História da ferrovia Paranaguá-Curitiba
Com o florescimento da produção e exportação de mate do Paraná para outras províncias sul-americanas, no século XIX, percebeu-se a necessidade de construir vias para o escoamento do produto. A primeira delas foi a Estrada da Graciosa, em 1873, que antes era apenas uma picada em meio à mata. Além disso, após a Guerra do Paraguai, o governo Imperial viu a necessidade de se construir estradas de ferro que ligassem os portos ao Oeste, local que ainda gerava disputa entre nações vizinhas.
Tendo isso em vista, o renomado engenheiro Antônio Rebouças, o primeiro afro-descendente a cursar uma universidade no Brasil (em pleno regime escravocrata), entrou com um pedido junto ao Império, em 1870, para que fosse construída uma estrada de ferro ligando Antonina a Curitiba. Entretanto, com sua morte, em 1874, os planos são frustrados. Paranaguá, então ‘rival’ de Antonina, pedira em 1871 concessão para construção de uma ferrovia que a conectasse a Morretes. Essa se tornaria um ramal da ferrovia Antonina-Curitiba, então Estrada de Ferro Dona Isabel, em homenagem à filha de D. Pedro II.

O que se segue é uma sucessão de eventos que culminam na entrega da concessão a uma empresa estrangeira, em 1879, a Compagnie Générale de Chemins de Fér Brésiliens. Só em 1880 se dá início à obra, 10 anos após a requisição feita por Antônio Rebouças, com participação até do Imperador D. Pedro II. A tarefa não era fácil: a ferrovia deveria passar pela Serra do Mar, uma área densa de Mata Atlântica e com um desnível de mais de 900m entre o ponto de partida, Paranaguá, e o de chegada, Curitiba. Apesar disso, 9000 homens obtiveram êxito na construção do projeto férreo mais ousado do Brasil. Em 2 de fevereiro de 1895 a estrada de ferro Paranaguá-Curitiba é inaugurada, com participação do alto escalão do império e de diversas outras personalidades políticas da época.

A desejada ligação com Antonina só viria em 1892, quando foi construído um ramal ferroviário de 17km que ligava o porto de Antonina a Morretes. O sonho de Rebouças, enfim, tornara-se realidade.
Morretes: a cidade que parou no tempo

A cidade é pacata. Inicialmente povoada por índios e depois por mineradores atraídos pelo ouro que fora encontrado na região nos idos de 1700, o nome da cidade deriva dos pequenos morros que a cercam. O que mais nos impressionou “à primeira vista” foi o calor. Chegamos 12h à cidade, sol a pino, e o calor era descomunal. Aliás, contrastante em relação a Curitiba, onde o ar era fresco e arriscávamos até a dizer que estava ‘frio’. Não à toa, quando uma senhora bradou, ao entrar no trem na Ferroviária de Curitiba, que estava com frio, o guia logo disparou: “espera pra chegar em Morretes”.


Saindo da estação, fomos em direção à Rodoviária (basta tomar a primeira rua à direita e seguir reto) para pegar as passagens de ônibus que havíamos comprado pela internet (a Viação Graciosa opera o trecho de retorno a Curitiba. Basta acessar esse site para mais informações). Chegando lá, fila. Não foi fácil, pois sabíamos que teríamos pouco tempo na cidade. Nosso objetivo, entretanto, era mais fazer o passeio de trem e conhecer o famoso e delicioso Barreado (calma, calma, já não falei que vou explicar o que é?).




Saindo da Rodoviária, seguimos para a beira do rio Nhundiaquara, onde fica a maioria dos restaurantes que servem o tradicional Barreado. Lá também ficam as principais atrações (não são muitas), como a Ponte de Ferro e o Marco Zero. Para falar bem a verdade, a meia hora que tivemos para visitar a cidade foi suficiente para ficarmos satisfeitos. Seu centrinho turístico é minúsculo e pode ser percorrido todo a pé, nem precisa pegar táxi.




Barreado: o tradicional prato morretense
Apesar de ser muito associado à cidade de Morretes, a criação do barreado é reivindicada também por Antonina e Paranaguá. Há controvérsias, também, em relação à sua origem: alguns dizem que foram os tropeiros e outros, os portugueses, que se inspiraram no guisado português. Polêmicas e brigas à parte, o prato é de dar água na boca, principalmente dos carnívoros.
O barreado consiste numa mistura de carne bovina magra e de segunda, toucinho, cebola, alho, pimenta-do-reino, louro e cominho. Tudo é cozido em uma panela de barro até desmanchar. Além disso, a panela é selada por uma mistura de farinha de trigo e água, processo chamado de “barrear”. Isso evita com que o vapor saia e a mistura seque.
Na mesa, ele vem em uma cumbuca de barro. Para comê-lo, basta adicionar no prato duas colheres de farinha de trigo e uma concha de barreado. Depois, só misturar bem e se deliciar!
Onde comer Barreado
Há opções por toda a cidade. Basta percorrê-la a pé e escolher onde você quer se sentar. Nós comemos no Empório do Largo, cujo ambiente é bom (porém não há climatização), com uma vista para o rio. Entretanto, o barreado não surpreende (achei ele pouco temperado). A porção individual (que dá para 2 casais não tão esfomeados) custa R$42. Acompanha farinha de trigo, arroz e bananas apimentadas.

Dentre as outras opções, lemos recomendações do restaurante Lubam, do Serra Verde Express (R$51/pessoa), Nhundiaquara (R$36/pessoa), Madalozo, Boteco de Maria (R$29,90/pessoa), Casa do Rio My House (R$44/pessoa). Porém, não sabemos se são bons de fato.

Informações sobre o passeio de trem
O que? Passeio de trem de Curitiba a Morretes (ou Morretes-Curitiba)
Por que? Um dos passeios de trem mais icônicos do Brasil. Além da oportunidade de andar em um trem de passageiros (algo incomum no nosso país atualmente), esse já foi citado até pelo respeitadíssimo jornal britânico The Guardian, na reportagem ’10 spectacular rail journeys… that you’ve probably never heard of’ (10 passeios de trem espetaculares… dos quais você provavelmente nunca ouviu falar)
Quando? Dezembro, Janeiro, Fevereiro e Julho: todos os dias; Novembro: de quinta a domingo e feriados; demais meses do ano: somente finais de semana e feriados.
Quanto? O passeio tradicional possui 3 classes: Econômica (a partir de R$95), Turística (a partir de R$119) e Camarote/Imperial (a partir de R$235). O que difere são os serviços oferecidos e o conforto. Há também a Litorina, um trem requintado e com um toque antiquado, que oferece as classes Luxo (a partir de R$265) e Standard (a partir de R$185). Além disso, a Serra Verde Express oferece outros pacotes turísticos.
Como? Para mais informações acerca dos pacotes, serviços incluídos e preços, visite o site da Serra Verde Express (https://serraverdeexpress.com.br)



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